Maria TI que vai com as outras

Fazer o que todos fazem é a certeza de ganhar se todos estiverem ganhando. Mas se a luta está difícil, talvez a boa seja começar a olhar para o mundo com outros olhos.

O tema “Vacuidade e Substância” anteriormente abordado em E o que fazer com minha genialidade? é muito interessante e permite vários desdobramentos.

Um deles é analisar a empresa onde você ganha o pão de cada dia como se fosse, por si só, o mercado de trabalho. Dessa forma, você olha para as diferentes coisas a fazer lá dentro como se fossem os diferentes empregos existentes. E, seguindo essa linha, olha para seus colegas de trabalho como se fossem seus concorrentes.

Sim, porque verdade seja dita: eles o são.

Basta imaginar que, diante de um cenário de expansão, a empresa precisará de alguém para desempenhar uma tarefa nova e pode entender ser melhor alguém de dentro – já acostumado ao jeitão da empresa, aos clientes etc. – em vez de alguém de fora.

Situação semelhante ocorre na criação de lideranças. Antes o chefe tinha duas boas almas para ajudá-lo a realizar uma tarefa, mas hoje ele possui dez. Com dois ele conseguia se virar diretamente, mas com dez não dá mais. Ele precisa de um gestor intermediário com quem conversar sobre o trabalho, já que não conseguirá fazê-lo todos os dias com todos os dez.

Este é o nosso “minimercado de trabalho”. O chefe talvez recrute dentro, e não fora. E, nessas condições, os postos novos são as vacuidades que você poderá preencher se possuir alguma substância.

Vejamos o caso da liderança. Em geral, uma pessoa realmente apta para essa função precisa possuir boa comunicação*, pelo menos para três atividades específicas: (1) falar com seus liderados, (2) prestar contas aos superiores e (3) interagir com os clientes.

*para ampliar a reflexão sobre esse tema, leia nosso artigo de estreia Programador Precisa Falar?.

Imagine-se, agora, que você seja programador nesta empresa que cresce. Na sua sala tinha só mais um cara. Depois entrou mais um, depois mais um… E hoje temos os tais dez profissionais trabalhando juntos, com os quais o gestor não consegue interagir diretamente.

Obs.: Este artigo é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência… 🙂

Nesse meio tempo, pensando em valorizar sua posição na empresa, você procurou estudar as linguagens de programação que seus colegas sabem para não “ficar para trás”. Esqueceu-se, porém, que dessa forma você não fica, necessariamente, à frente. E em um belo dia, você se surpreende por ser nomeado líder dessa sala de 10 um cara meio descolado que sabe menos programação que você.

Eis o que ocorreu em nosso minimercado: a escolha do cliente (seu patrão) por um produto (as habilidades) de uma empresa (o seu colega) que não a sua (você).

Esse colega, propositada ou intuitivamente, atacou uma vacuidade. Em algum momento no crescimento da empresa seria necessária uma competência interpessoal – a “descoladice” – e não somente as competências técnicas. Como essa era uma substância que você não possuía, não conseguiu atacar a vacuidade – a vaga – da mesma forma que o seu colega. E perdeu a boquinha.

Nota linguística: A semelhança entre “vaga” e “vacuidade” é digna de apreciação. Embora tenhamos vacuu como origem latina para “vácuo” (vacuidade) e vagu para “vaga”, cá atrás da minha orelha existe uma pulga sugerindo uma origem comum, talvez lá nos idos do Protoindo-Europeu.

– Álvaro, teria você mencionado o Protoindo-Europeu apenas para se exibir?

Sim, desculpe. Voltemos ao assunto.

Veja você o que tenho observado na maior parte das iniciativas em TI: todos querem bem desempenhar a atividade “bola da vez”. Se o negócio agora é programar para celulares, lá estamos nós aprendendo a fazer aplicativos. Se o negócio agora são as redes sociais, lá estamos nós interagindo com interfaces do Facebook. Detalhe: nós e mais um milhão de profissionais.

Enquanto isso, uns programadores “caretas” que não se ligam nessa vibe Java de multiplataforma ficaram congelados no tempo programando em linguagens estranhas e ultrapassadas como COBOL. Com isso, no entanto, eles ganham um montão de dinheiro tendo o Bradesco e o Itaú como clientes, enquanto você faz um aplicativo super legal de uma agenda para celular e tenta vendê-lo a míseros 99 centavos frente a uma oferta de 4.037 aplicativos semelhantes e gratuitos.

Mês passado dissemos que citaríamos uma leitura pertinente e aqui chegamos. Trata-se do livro A Estratégia do Oceano Azul, onde os autores falam sobre o correto direcionamento dos esforços para neutralizar os efeitos da concorrência – aqui para nós, seja no mercadão de verdade ou no minimercado dentro da empresa.

A ideia central do livro faz analogia a um mar de oportunidades não exploradas – o tal oceano azul – como opção muito mais interessante diante do habitual mar tingido de vermelho pelas sangrentas batalhas entre os competidores.

Enxurrada de hemácias à parte, a metáfora é muito boa, pois ilustra bem o que muitos não conseguem perceber, ainda que seja muito simples.

Você, como empresário, por exemplo, está procurando um Oceano Azul ou continua às voltas nas batalhas sangrentas?

Você, como funcionário de TI, está procurando saber o que pouca gente sabe, para que sua competência seja algo raro no mercado – e, portanto, valioso – ou está apenas aprendendo a fazer o que todo mundo já sabe para, depois, ficar reclamando que não lhe pagam bem, como discutimos em O TI Oprimido?

Pense nisso.


2 Comentários

Igor de Andrade Monteiro
1

Muito bom o artigo, principalmente pelo fato da maioria das empresas também não gostarem desse perfil de profissional que fica querendo “aprender” coisas novas, inovação pelo menos nas empresas que atuei sempre é visto com neo-fobia e sempre é projetado como custo.

Guilherme Gaspar de Lucena
2

Boa tarde,
Muito interessante a matéria Álvaro.
Queria deixar minha opinião a respeito do “Oceano Azul”.
Atualmente trabalho com Mainframe, COBOL, PL/SQL e essas tecnologias consideradas ultrapassadas.
Trabalhar neste nicho tem seus prós e contras assim como tudo na vida.
Minha visão é a seguinte, apesar de ter um emprego bom, com boa remuneração, não tem muitas(pra não dizer nenhuma) empregabilidade. Quero dizer que apesar de ganhar um bom salário, se você ta insatisfeito com qualquer coisa no seu trabalho, é difícil encontrar outra vaga para realizar a mesma função, pois são pouquíssimos clientes.
Eu pretendo sim, alias já estou colocando em prática, aprender Java e migrar para esta parte WEB.
Muito mais empregabilidade, tanto em São Paulo quanto em países como Canadá e Austrália(países excelentes e que abrem as portas para nós de TI).
Aliás, concordo demais com a matéria “O TI Oprimido”. Ao meu ver a area de TI, pelo menos em São Paulo, é cheio de oportunidades e com boa remuneração.
Tenho 22 anos, Formado técnico em informatica e graduado em Sistemas de informação, e as minhas expectativas são as melhores possiveis para nossa área.
Também gostaria de agradecer ao Profissionais TI. Sempre publicando matérias interessantes tanto para o lado pessoal quanto para o profissional. Vocês estão de parabéns.

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