O polvo confortável

Não é a área em que você atua, necessariamente, que garante sua sobrevivência. Preencher as pequenas lacunas dentro do ambiente de trabalho talvez seja uma excelente – embora pouco ortodoxa – estratégia.

Nos dois últimos artigos (E o que fazer com minha genialidade e Maria TI que vai com as outras), falamos sobre o que há de comum entre a ideia de vacuidade e substância, de Sun Tzu, e o livro A Estratégia do Oceano Azul, de W. Chan Kim e Renée Mauborgne.

Para que você não pense que nosso falatório é apenas teoria vazia, hoje narrarei uma situação real ocorrendo nesse exato momento em uma empresa de TI que conheço.

– Incrível, Álvaro, como você conseguiu arrumar um título ridículo justamente no artigo que comemora seu aniversário de um ano no Profissionais TI.

Bem, cada um tem o seu jeito de dar os parabéns, e agradeço pelos votos. Você está sendo simpático – à sua maneira.

Imagem via Shutterstock

Imagem via Shutterstock

O mundo em TI é mutante, talvez mais do que em qualquer outra área, mas é possível encontrar algumas ilhas de tranquilidade adotando o que passo agora a chamar de “a estratégia do polvo”.

Você verá em muitos lugares – aqui mesmo em nossos artigos e também nos textos sagrados do Amplitudo – a importância de possuir foco. Pois agora vamos falar exatamente do contrário, já que nem tudo são flores e apenas ter foco não representa, em si, vantagem absoluta ou permanente.

Ocorre o seguinte: as pessoas capazes de realizar uma maior diversidade de tarefas são mais valorizadas. No curto prazo, essa valorização pode até nem ser financeira, mas, no médio prazo, o dinheiro vem. Porque se não vier naquela empresa, alguém aparece oferecendo um tutu a mais e leva o sujeito embora.

Veja pelo caso real prometido para hoje. Um profissional da área de TI, cujo nome omitiremos para ele não receber muitas propostas de emprego, traçou uma trajetória estranha, mas muito proveitosa, na empresa onde trabalha.

O rapaz queria ser programador e, então, candidatou-se a uma vaga de estágio nessa área. Foi admitido mas, em pouco tempo, seu superior julgou que ele não estava bem desempenhando a função, tendo solicitado ao RH que o dispensasse.

Como havia uma alma visionária no RH, o rapaz foi dispensado somente daquela área, mas não da empresa, tendo sido admitido no suporte técnico onde, então, se revelou um profissional bastante qualificado – tão qualificado que rapidamente saiu de lá, abduzido pelo diretor administrativo, que o convidou para ser seu assessor direto.

– Mas, Álvaro, isso é mais uma questão de sorte que dessa tal estratégia do polvo que, para ser sincero, ainda não entendi direito o que é…

Calma. Até aqui foi sorte mesmo. O polvo vem agora.

Como o rapaz tinha passado pelas principais áreas da empresa (programação, suporte e administrativo), acabava sabendo um pouco de tudo. E aqui começam as vantagens.

Com a convivência, descobriu-se que o rapaz era formado em elétrica, manjando muito também de mecânica. Todos os pepinos nessas duas áreas passaram, aos poucos, a ser cuidados por ele, dispensando a contratação de serviços de terceiros.

Configurar roteadores e aparelhos de PABX também não pareciam ser grandes problemas para o nosso colega, que também se arriscava no design gráfico e no desenho técnico – muito boas perspectivas, por sinal.

E quando a moça que limpava a empresa arranjou outro emprego? Ele se ofereceu para fazer faxinas aos sábados, claro, já que não se ocupava mais de construir a própria casa onde ele mora!

Dispensável dizer que houve melhora na remuneração do rapaz – e mais de uma vez – pois aquela é uma empresa amplitudiana que sabe valorizar os bons funcionários.

Obs.: Inclusive estou sabendo que haverá outra melhora na remuneração em breve. Não falei que era um rapaz de boas perspectivas? 🙂

Perceba que isso traz conforto ao profissional molusco. Sabemos que garantias, garantias meeesmo, não existem, mas é possível ampliar as chances de estabilidade em um local sabendo fazer uma baciada de coisas diferentes, não?

E nesse momento eu já deveria estar me preparando para encerrar o artigo com uma reflexão espirituosa ao final seguida do “pense nisso”, mas não me aguento. Além do mais, é meu aniversário mesmo, então, hoje eu posso abusar. Vamos de mais um caso real.

Conversando esses dias com um conhecido que trabalha na produção de uma empresa, ele me disse que um cara do marketing parecia entender melhor da administração da linha de produção do que o gerente dessa área. Agora, pergunto: qual dos dois você acha que estaria mais seguro em seu trabalho? O cara de marketing que também gerencia produção (e talvez lave, passe e cozinhe) ou o gerente de produção mal avaliado em seu próprio trabalho?

A estratégia do polvo também já me garantiu emprego certa vez, mas isso seria expor demais a minha figura e pareceria autopromoção, coisa que talvez eu já faça demais por aqui e você não merece ainda mais dessa perturbação. Mas é fato que já me ajudou e, em nossa contabilidade, esse seria o terceiro caso real de hoje.

Consegue esperar até cortarmos o bolo? Então vem comigo.

Outra coisa que a estratégia do polvo favorece é o pensamento global. Quando o sujeito se mete a fazer um monte de coisas, começa a ver as dificuldades da empresa como um todo, e não apenas do setor ao qual está confinado. Começa também, a avaliar as dificuldades nascidas das interações entre os departamentos. E esse é o início de algo muito salutar: pensar na empresa como se fosse sua.

Sim, porque quando você está se preocupando com as mais diversas áreas, acaba orientando seu pensamento de uma forma mais sistêmica e abrangente, colocando-se (às vezes sem querer) na linha de mira dos donos da empresa quando cargos de gerência começam a ser criados.

E lembre-se: se nada de muito concreto estiver no horizonte de curto prazo, como aumento de salário ou elevação de cargo, ao menos você está, sem nenhuma bajulação, fazendo uma bonita vista para o chefe, habilidade esta tão importante e, muitas vezes, pouco exercitada, como discutimos em O que colocar no currículo e O currículo ousado.

Obs.: Aqui há uma brecha para os leitores mal-humorados não integrantes de empresas amplitudianas comentarem que se eles começarem a se meter em diversas coisas no seu emprego serão sumariamente convidados a voltar aos seus lugares e se preocupar apenas com o próprio umbigo. Fiquem à vontade para aproveitarem a brecha e fazerem seus comentários cheios de angústia ao fim do artigo – e também para procurar outro lugar para trabalhar…

Quarto caso real? Rapidinho? Ah, é meu níver, vai…

Esses dias ouvi de um dono de empresa de TI: “Fulano eu quero manter a qualquer custo. Não podemos deixar o Fulano sair.”

Pois eu conheço o tal “Fulano”. Ele tem um bom pensamento global e diferentes habilidades – vale por uns cinco caras. Como trabalha em uma empresa pequena, essa condição faz ainda mais diferença, pois empresas assim precisam de poucos gastos e muita agilidade. Ora, cinco profissionais pelo preço de um parece satisfazer essa necessidade, certo?

Perceba que, paradoxalmente, em relação ao artigo anterior, não apenas a vacuidade oferece oportunidades para você se destacar. Fazer o que todo mundo faz também é uma boa, mas, então, estamos falando disso mesmo: fazer o que todo mundo faz, ser o cara que consegue executar praticamente qualquer tarefa – e de forma ordenada, é claro, pois além de talentoso, o polvo precisa ser muito organizado com seus múltiplos braços (descobri agora há pouco que polvo tem braço mesmo, e não tentáculo como eu pensava – escrever para TI também é aprender biologia).

Quem sabe você não esteja meio paradão só sabendo fazer uma única coisa? Será que sua gama de habilidades está fazendo o seu chefe se referir a você, nesse momento, como “o cara que ele quer manter a qualquer custo”?

Pense nisso.


4 Comentários

Leandro
1

Até acho interessante ser “Polvo”, quando temos tempo para fazer outras tarefas, acho legal aprender outras coisas, o problema fica quando o “quebra-galho” que fazemos acaba nos sendo cobrado como uma obrigação nossa.

Carolina
2

A ideia de ser “Polvo” parece interessante desde que a pessoa tenha consciência de que isso pode (ou não) destacá-la positivamente dentro da empresa. E, o mais importante, realizar as atividades extra a sua função por vontade própria e não por se sentir na obrigação de, pois, sendo desta forma é grande a chance de insucesso. Reparo que muitas empresas de TI hoje querem funcionários com esse perfil, mas, são poucas as que os reconhecem por tal diferencial – o que pode acabar sendo o causador de tantos perfis especialistas encontrados nas equipes atualmente.

matheus
4

Me parece que o caso real narrado se enquadra de modo razoavelmente numa empresa de pequeno ou médio porte.
Em outros contextos se dispor a fazer faxina aos sábados não cai nada bem. Diferente de tentar contornar um imprevisto na iminência do cliente chegar, e assim a limpeza ou alguma outra coisa “extra” acaba sendo apenas um tapa buraco para a ocasião.

Deixe seu comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Campos com * são obrigatórios!