Cadê a tal Geração Y?

O poder da geração Y está em conseguir fazer diversas coisas ao mesmo tempo, em desafiar os padrões estabelecidos, em revolucionar nosso cotidiano. Será mesmo?

Ouvimos em todos os lugares sobre as incríveis características dos jovens da geração Y: (1) não aceitam condições opressivas de trabalho, (2) querem trabalhar com o que gostam (e já, não apenas quando se aposentarem de um emprego chato), (3) querem qualidade de vida, (4) dominam a tecnologia, (5) conseguem fazer tudo ao mesmo tempo.

Não tenho como deixar de apoiar com vigor – especialmente pelo meu papel à frente do Amplitudo – os itens 1, 2 e 3. É isso aí, pessoal! Vida longa à Geração Y!

Imagem via Shutterstock

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O (grande) problema está no item 5. E, para ilustrar, daremos exemplos usando apenas um tema: o uso do e-mail. Sente-se confortavelmente, respire fundo e prepare-se para essa leitura pois, especialmente se for da geração Y, você não gostará desse artigo. Eu sei, eu sei: a verdade dói.

Tenho constantemente a oportunidade de interagir com muitas pessoas da geração Y e, como diria o velho adágio, seria cômico se não fosse trágico. Trágico, sim, pois, segundo a natural sucessão biológica das gerações, essa galera é o que hoje se tem como “o futuro do país”. Pois coitado do país, então.

Fazendo vista grossa ao fato de que uma grande parte dessa turma mal sabe português ou matemática, o problema da “GY” é que eles cresceram com uma ilusória autopercepção de superpotência.

– Álvaro, dá para você falar que nem gente?

Claro. Olha como opera a mente de um GY. Ele vê um jovem nerd ficar bilionário porque criou o Facebook e pensa que qualquer um, inclusive ele, facilmente consegue ficar bilionário antes dos 25 anos. Ele vê uma empresa irreverente e bilionária, como a Google, e acredita que ser irreverente é o único pré-requisito para ser bilionário. Trabalhar, por exemplo, lhe parece secundário. Trabalhar organizadamente, então…

Em resumo: a geração Y cresceu se autoconvencendo de que pode muito, tomando as exceções pela regra, e vive em ilusão. Uma perigosa ilusão. Daí temos os empresários medíocres e perpetuamente falidos que acreditam ser a nova revolução nos negócios, os designers medíocres que acreditam serem os novos Michelangelos (e ainda melhores, já que Michelangelo não sabia usar o Photoshop) e por aí vai.

Falta à geração Y acordar para a realidade. Existem gênios, sim, existem destaques, sim, mas isso sempre existiu. A geração Y como um todo não é necessariamente mais competente que seus predecessores. Eles erroneamente pensam assim só porque conseguem mexer no celular com destreza maior que seus ultrapassados pais e avós. Julgam conhecer de tudo só porque possuem 379 diferentes fontes no seu feed de notícias (não que eles leiam). São tão bem informados e, ainda assim, não sabem nada, por exemplo, da natureza humana, campo onde são massacrados por seus pais e humilhados por seus avós, que sabiam olhar nos olhos de outra pessoa e prever o futuro – isso sem o auxílio de nenhum aplicativo como o iFaceFeelingDetection ou o iFuturePrediction.

Obs. 1: o GY típico é tão iludido que costuma não ser capaz de perceber que os nomes dos aplicativos acima são fictícios e, ao lê-los, já pensou em dar uma corridinha na Internet para conferir.

Obs.: 2: sobre a observação acima, veja se a leitura dos casos reais de um artigo anterior nosso (Overgadgeted) acende alguma luz na sua cabeça.

Mas voltemos ao tema proposto: o uso do e-mail.

Recentemente apresentei duas pessoas, cada uma de uma empresa, para serem possíveis parceiros. Como elas trabalham em cidades diferentes, têm (ou poderiam ter) no e-mail uma excelente forma de avançarem a comunicação sem interferir no trabalho do dia a dia (afinal, o e-mail você facilmente se programa para responder, fazendo-o de forma centralizada e a partir de um teclado produtivo, diferentemente do que acontece com as mensagens loucas que ficam fazendo “pi-pi” no seu celular o dia inteiro).

Infelizmente, a comunicação não avança como deveria:

ÁLVARO: E aí, colega, conseguiu falar com o pessoal daquela empresa lá?

COLEGA: Ah, desisti dos caras. Primeiro, mandei um e-mail me apresentando e eles nem responderam. Aí, você cobrou os caras e eles responderam, perguntando se eu podia me encontrar com eles na quinta-feira. Eu disse que não podia e sugeri a sexta como alternativa. Estou esperando resposta até agora [duas semanas depois].

Sei o que meu colega passou porque eu também já interagi com essa mesma empresa. Inclusive, ouvi de seu dirigente GY que o trabalho deles era certamente melhor do que o de qualquer concorrente na cidade, o que incluía empresas ganhadoras de inúmeros prêmios por trabalhos realizados ao longo de 20 anos (a empresa dele, com três funcionários, tinha começado havia pouco tempo). Certamente, o quesito “responder os e-mails de possíveis novos parceiros” não está no rol de critérios da autoavaliação deste empresário Geração Y.

De fato, perguntei a ele, por que, então, o e-mail dele estava em seu cartão de visitas? Por que simplesmente ele não deixava de oferecer essa possibilidade de contato às pessoas, já que não conseguia responder adequadamente. Adivinhe? Ele não conseguiu nem responder a essa minha pergunta. Nem adequadamente, nem de qualquer outro jeito.

> Para mais reflexões sobre a confiabilidade, leia “O item confiabilidade está no seu currículo?”.

Uma outra vez, e com outra pessoa, travei esse diálogo, que poderia ter facilmente ocorrido em um hospício:

ÁLVARO: Olá, amigo, enviei um e-mail a você perguntando se poderia ter sido nesse último domingo aquele passeio na cachoeira… você não chegou a receber?

A OUTRA PESSOA: Puxa, recebi, sim, mas não consegui responder, estava em um lugar, e, depois, puxa vida, eu estava em outro lugar e, depois…

ÁLVARO: Amigo, será que o e-mail é uma boa forma de nós nos comunicarmos para combinar esse tipo de coisa?

A OUTRA PESSOA: Claro, é sim! Pode mandar que eu vejo. Foi só dessa vez que eu tive problemas…

ÁLVARO: [na semana seguinte] E então, amigo, será que nesse próximo domingo rola aquela ida à cachoeira?

A OUTRA PESSOA: [duas semanas depois] E aí, cara, como estão as coisas? Precisamos combinar aquela ida à cachoeira, hein?

Às críticas de que o e-mail é retrógrado, de que o “e-mail morreu” eu respondo da seguinte forma: a produtividade não morreu. Pelo contrário. Com a competitividade acirrada, há de se conseguir fazer mais em menos tempo. Só que de verdade, não do jeito Y iludido.

Por exemplo, quem, na sua opinião, conseguiria dar conta de responder mais rapidamente e de forma adequada a um grande número de solicitações:

  • um profissional em sua estação de trabalho, concentrado, munido de uma lista com as solicitações e o status de cada uma, um teclado decente e um monitor razoável ou;
  • o revolucionário, ultraconectado e multitarefa* geração Y redigindo mensagens cheias de abreviações e gírias (para poder digitar mais rápido no tecladinho-de-dar-tendinite-nos-polegares) em uma tela exígua de 4 polegadas a partir de um celular que fica apitando de 5 em 5 segundos e noticiando, por cima da área onde ele digita a mensagem, que deve chover na Nova Zelândia nos próximos dias.

* se quiser um artigo com menos revolta e mais base científica que esse, confira: A multitarefa não existe.

– Álvaro, não acha que está usando demais esse artigo para promover outros artigos seus?

Bem, amigo, entenda que sou quase um GY e, enquanto escrevo esse, aproveito e divulgo os demais. Ou vai me dizer que você não consegue ler 5 artigos ao mesmo tempo? 🙂

Aliás, (prometo que estamos acabando) por falar em interrupções… Certa vez trabalhei com uma pessoa que, sem qualquer cerimônia e demonstrando considerável falta de respeito, parava de dar atenção a uma reunião para conferir as mensagens que chegavam no seu celular. E isso, inclusive, quando as pessoas da reunião estavam falando diretamente com ela. Alguns fatos agravantes:

  • Ela mantinha esse hábito fosse qual fosse o interlocutor, incluindo seu chefe direto ou o dono da empresa.
  • Chegavam novas mensagens a uma insuportável taxa de aproximadamente uma por minuto.
  • Cerca de 20% das mensagens ela não apenas verificava, mas respondia, não raro dando risadas.

Pergunto: você gostaria de trabalhar com essa pessoa? Você gostaria de pagar o salário dessa pessoa?

A grande (e triste) conclusão à qual chego é a seguinte: por sonhar tanto em fazer o avançado, a geração Y não faz o básico.

Sabe o que eu acho que vai acontecer com a geração Y? Eles serão os novos escravos do mundo moderno. E nem perceberão. Como são capazes de (na opinião deles) fazer muitas coisas ao mesmo tempo, é exatamente o que terão: uma enxurrada de coisas para fazer. Farão tudo ao mesmo tempo, só que tudo mal feito e, como ocorre com todos aqueles que fazem as coisas mal feitas, receberão pouco pelo seu trabalho.

Além disso, ficarão permanentemente sobrecarregados, quando não seriamente doentes (já percebeu como os jovens são demasiadamente doentes hoje em dia?), e viverão a tomar remédios enquanto um cara esperto e retrógrado, que trabalha produtivamente e sabe como fazer as coisas acontecerem, estará lá, com um chicote disfarçado de plano de carreira, estimulando a multitarefa da iludida e egocêntrica geração Y.

Pense nisso.

Acha que eu estou sendo muito agressivo? Dá uma olhada nisso aqui.


11 Comentários

Maria Elena
1

Olá Álvaro!
Concordo com o seu posicionamento!
Os GY estão sentindo-se tão emponderados de si mesmos, de suas ideias, que acabam não percebendo que é com a persistência que “chegamos lá”. Vimos uma geração de pessoas frustradas diante de pequenos fracassos e sem ânimo de correr atrás.
É um cenário complicado para as empresas e empreendimentos, que necessitam de persistência e humildade (no sentido de compartilhamento de conhecimentos) para o sucesso.
Abraço!

Juarez Nunes
2

Muito bom.
O maior desafio da GY será aprender a ter foco e ser produtivo no meio de tanta demanda ruim (Facebook, Whatsapp).

John galt
4

Mas quem fez a geração Y, foi a anterior, então como profissionais superiores que são parecem que falharam no básico como passar o conhecimento adiante. Isso é apenas uma implicação lógica do que foi levantado no artigo.
Então parece que legado e educação são itens fora do escopo da competente geração anterior.

Lucas Frade de Campos
5

Me parece que o problema não é a geração Y, mas sim a geração X. É fácil notar a arrogância e a opressão da antiga geração. É muito mais fácil dizer que a Y não presta do que entender que a anterior não sabe passar o seu conhecimento, não sabe orientar.
E acho uma tolice sem tamanho ficar comparando qual foi a mais competente, pois todas tiveram seus gênios, todas criaram coisas que marcaram a humanidade.

Best Jack
6

Vai me desculpar, mas está enganado. Atualmente trabalho com Análise e Desenvolvimento em sistemas de Mainframe, e sou novo ( geração gy tenho 28 anos ), e as pessoas com quem trabalho são de gerações anteriores, e posso contar no dedo as que são boas de serviço. E não é só aqui na empresa que trabalho atualmente não, em empresas que trabalhei anteriormente acontece o mesmo ( como IBM, Accenture e Stefanini ).

marcelo.dias
7

Perfeito! A geração Y ainda reclamar que não ensinamos. Aprendam, estudem, vocês tiveram tudo de mão beijada, a maior parte da Geração X não teve Google, Fóruns, Comunidades. Tinha que estudar, interpretar textos e etc.

Romulo Silva
8

E parece que todo esse estudo não adiantou muito, não é marcelo.dias? (risos)
“A geração Y ainda reclamar” .
Brincadeiras a parte, Gostei do artigo, Sou GY, conheci a expressão há um tempo atrás, desde então nunca mais havia ouvido falar no assunto, mas sou obrigado a concordar, trabalho com Infra, e vejo muito disso por parte dos usuários GY (e por mim mesmo).
Nunca fui a favor do uso de gírias e abreviações inexistentes (no meu tempo de ensino fundamental, já havia colegas de classe que usavam abreviações como “vc” para copiar a matéria, ou entregar algum trabalho). E isso, com certeza vai impactar suas vidas profissionais.
A produtividade é uma coisa muito séria, e está se tornando um “tumor” para as empresas, cada vez mais investimento em um funcionário que pouco rende.
Grande abraço.

Norton Luix
9

Parabéns pelo artigo, Álvaro. Infelizmente essa é a realidade. Falta de habilidades sociais e excesso nas habilidades técnicas.
Abs,

David Sousa
10

Concordo em partes com você Alvaro, é visto que a gy tem seus defeitos, porém ela não é a única. A geração X é culpada tanto pelas qualidades e defeitos da geração y, assim como gerações anteriores influenciaram na X. E assim continuará, sendo os nossos erros e acertos vão influenciar as próximas gerações. Colocar a culpa nos outros é fácil, já buscar soluções… Creio que nossos “veteranos” já deviam saber disso, já que são tão “experientes e sabidos”.

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