Criptoeconomia: Redes de Criptomoedas e a Teoria da Firma

Se a economia austríaca é a base teórica para o Bitcoin, acho que Ronald Coase é a inspiração para Redes de Criptomoedas.

Em 1937, Coase escreveu um artigo seminal intitulado “The Nature of the Firm”. Ele lançou as bases para um novo ramo da microeconomia, chamado teoria da firma, e ganhou o Prêmio Nobel de 1991.

A marca dos gênios, pelo menos nas ciências sociais, é a capacidade de descobrir importantes verdades ocultas que são tão óbvias em retrospectiva. E Coase é um desses gênios.

De um modo típico, ele fez uma pergunta simples que não interessava à maioria dos economistas anteriores: se os mercados são tão bons em alocar recursos, por que as empresas existem? Afinal, os mercados são um dos conceitos mais adorados desde Adam Smith, e com razão.

Foi o processo de responder a essa questão que revelou insights de importância vital que nunca ocorreram no mundo.

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A firma e o mercado

Antes de explorar a pergunta de Coase, parece necessário definir o que é a firma e o mercado.

Na teoria econômica moderna, uma maneira de olhar para a empresa (Firma) é que ela é uma instituição onde as atividades econômicas são coordenadas centralmente por um empreendedor.

Por outro lado, o mercado é uma instituição onde as atividades econômicas são coordenadas descentralmente pelo mecanismo de preços.

Para entender melhor a diferença, suponha que queremos terceirizar um projeto para um engenheiro de software freelancer e oferecer a ele um contrato de US$ 50 por hora. Um concorrente nosso quer contratar o mesmo cara para um projeto semelhante e oferece a ele US$ 100 por hora. Provavelmente, ele assinará o contrato com o nosso concorrente. Este é o mecanismo de preços do mercado.

Na firma, por outro lado, um engenheiro de software pula do projeto A para o projeto B ou da equipe A para a equipe B, não porque B oferece uma remuneração mais alta, mas porque ele é ordenado a fazê-lo. Esse é o mecanismo de coordenação do empreendedor.

Como um defensor do capitalismo e da descentralização, você deve estar se perguntando o que Coase estava pensando, se o mercado é tão eficiente em maximizar os incentivos das pessoas, por que o planejamento central, também conhecido como empresa, é tão prevalente em nossas vidas?

Em outras palavras, por que todas as atividades econômicas não eram realizadas de maneira completamente descentralizada por meio de contratos entre indivíduos?

Geralmente, quando dois conceitos concorrentes A e B existem em equilíbrio, eles devem estar fazendo uma troca em algum lugar, de modo que A seja melhor que B em uma coisa, mas pior que B em outra coisa. No nosso caso, a empresa deve estar sacrificando a maximização de incentivos por algo que falta ao mercado.

A resposta de Coase é o custo da transação.

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Custos de Transação

Os economistas às vezes são obcecados com a ideia de custos de transação nula e com questões puramente intelectuais relacionadas a como um mundo de custo de transação zero seria semelhante.

Tendo passado grande parte de sua carreira na faculdade de direito, Coase sabe muito bem que tal mundo não pode existir:

Para realizar uma transação, é necessário descobrir com quem se quer lidar, informar às pessoas que se deseja negociar e em que condições, conduzir negociações que levem a uma barganha, elaborar o contrato, para realizar a inspeção necessária para se certificar de que os termos do contrato estão sendo observados, e assim por diante.

Todos estes são custos de transação, seja dinheiro ou tempo, existem no mercado.

Coase divide isso em três categorias:

  • Custos de pesquisa e informação
  • Negociação e custos de decisão
  • Policiamento e custos de execução

As Redes de Criptoativos

Eles obscurecem a linha divisória entre o mercado e a empresa. De fato, eles oferecem o melhor dos dois mundos.

Eles provavelmente não são estritamente melhores que o mercado e a empresa em todos os cenários, mas oferecem uma alternativa digna em alguns cenários, empurrando para fora o limite do tradeoff.

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As redes de Criptoativos são, em última análise, um tipo de rede, e as redes têm “efeitos de rede”. Todo participante existente sabe que adicionar um novo participante cria valor para si. Como tal, todo participante existente é incentivado a procurar novos participantes, criando assim um exército de recrutadores de forma exponencial.

Isso contrasta o mecanismo de preços do mercado, em que o recrutador é apenas um indivíduo ou um pequeno número constante de indivíduos.

Negociação e decisão

A negociação é fundamentalmente um processo de descoberta. Descubra o que você está disposto a aceitar e o que a pessoa do outro lado da mesa está disposta a aceitar. Pode ser um processo demorado devido a atritos na comunicação. Às vezes, a falta de uma interface clara pode fazer com que uma parte não se comprometa e a questão da confiança toma seu papel no palco da negociação. É aqui que o software de código aberto (OSS) e os tokens podem brilhar.

Sistemas de códigos abertos (OSS) comunicam aberta e totalmente quais são os termos. Se alguém não estiver satisfeito com os termos, poderá propor novos termos bifurcando o código e alterando os parâmetros.

Os Tokens permitem que o processo de descoberta ocorra na forma de negociação líquida. É efetivamente uma negociação entre um grande número de partes, onde novos lances e ofertas são feitos rapidamente para reduzir a assimetria de informações. Toda negociação tem por meta reduzir a assimetria da informação ou aprender a tirar proveito dela para se lucrar mais.

Policiamento e fiscalização

Em vez de impor contratos com leis nacionais, as redes de Cryptoativos impõem contratos por consenso descentralizado. A natureza sem fronteiras do consenso descentralizado é particularmente vantajosa em uma era da globalização. Em seu famoso artigo de 1996 sobre contratos inteligentes, Nick Szabo observou que:

Barreiras legais são o custo mais grave para fazer negócios em muitas jurisdições. Contratos inteligentes podem cortar esse nó górdio de jurisdições. Eles podem diminuir a vulnerabilidade em jurisdições problemáticas e a dependência desses códigos legais locais obscuros.

Nenhuma teoria é perfeita, mas algumas são úteis.

A natureza da empresa de Coase não é exceção. Inúmeros estudiosos construíram sobre sua fundação e pintaram um quadro mais completo.

As redes de Criptoativos  tem o potencial de preencher a lacuna entre o mercado e a empresa. Complementa a empresa, trazendo a meritocracia do mercado. Complementa o mercado, oferecendo os benefícios de custo de transação de uma empresa baseada em software e na qual a questão da confiança já fora resolvida por design.

Como tal, não é inconcebível que mais e mais atividades econômicas sejam organizadas usando redes de Criptoativos nas próximas décadas.

Obviamente, todas as leis não podem ser codificadas em software, diriam alguns puristas do direito, contudo todas as tarefas e teorias podem ser traduzidas em software e podem ser portadas para uma sociedade conectada por uma economia baseada em software e em criptoativos.

A Cryptoeconomia já é uma realidade.

Artigo escrito originalmente para o portal Cryptowatch e para o livro Cryptoeconomia.

Leandro França de Mello

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Nos últimos anos tenho me dedicado a dois projetos pessoais, duas startups que me dão muito prazer: A EXP Codes, focada em TI, Big data e IA; e o Cryptowatch, um portal de notícias e análises sobre o cryptomercado que vem se desenvolvendo no Brasil e ao redor do mundo.


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