Black Mirror: ficção ou quase-realidade?

Quem acompanha o universo Netflix, com suas dezenas de séries e filmes de produção própria, certamente já ouviu falar de Black Mirror. E se não conheceu ou assistiu a um dos episódios (não sequenciais), certamente já viu pelas redes sociais a exclamação “Isso é tão Black Mirror!” em contextos descrevendo a tecnologia sendo usada de maneira controversa no cotidiano.

Quando a polêmica choca e diverte

E por falar em controvérsia, esse é o tempero da série. Escrita por Charlton Charlie Brooker, aclamado escritor e comediante britânico, a abordagem de Black Mirror é de incomodar e alertar:

Será que a ficção que estamos assistindo está tão longe de nós?

Com uma pegada SCI-FI, um quê de thriller psicológico e sobretudo altas doses de sátira aos costumes atuais, Black Mirror não te deixa confortável. É aquela série que você começa ansioso, fica surpreso, estupefato e termina incomodado. Mas esse incômodo é um misto de fascínio. A série cativa pela controvérsia de suas mini estórias, que não são interligadas (você pode assistir os episódios na sequência que quiser, pois cada um tem uma trama diferente).

A crítica, lógico, rasgou elogios pela ousadia e inovação da série, quando de seu lançamento (inicialmente para a tv britânica). A Netflix, por sua vez, percebendo o sucesso evidente da série, em especial pelo ineditismo da primeira temporada, já encomendou as sequências seguintes e com isso já seguimos com quatro temporadas, embora a última não tenha tido uma recepção tão calorosa quanto foi com a primeira.

O ponto alto da série é que a ambientação dos episódios ocorre no presente tecnológico em que já vivenciamos, ou num futuro próximo. E isso assusta: as tecnologias usadas em alguns episódios ou já são parte de nosso dia-a-dia ou serão muito factíveis a curto prazo. A pitada de sátira com o comportamento humano atual, misturada com a pressão do incômodo psicológico e o excesso de tecnologias que nos cercam abre ao espectador uma pergunta evidente: para onde a humanidade caminha?

Cada episódio um universo próprio

O primeiro episódio (The National Anthem), chocou a mostrar uma hipotética Inglaterra sofrendo com um dilema moral de seu Primeiro-Ministro, ao ter que praticar atos sexuais (bizarros obviamente) em cadeia nacional, a mando de um grupo de sequestradores de uma princesa real. O choque do enredo choca mais ainda por se tratar de uma situação que atualmente seria plenamente possível (e trágica inclusive). O desfecho mostra a profundidade que a série quer mostrar ao espectador e de fato mostra a que veio.

The-National-Anthem-Black-Mirror

Em White Bear (segunda temporada), vemos a tragédia humana virar atração, no melhor estilo de reality show com uma pitada de moralismo de Estado quando a protagonista acorda num local em que ela não se lembra de nada nem de si mesma e é obrigada a fugir de um grupo que a persegue, tendo que pedir ajuda a algumas pessoas que não são confiáveis e tendo inclusive que lidar com um grupo de espectadores que a acompanha em seu desespero munidos de câmeras celulares. O fim do episódio mistura indignação e perplexidade sobre quais eram os propósitos das perseguições à protagonista.

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A terceira temporada nos trouxe um episódio (Nosedive) que brilhantemente mostra uma questão que se não é realidade em nossas vidas, muito possivelmente será e quiçá na China já esteja se tornando uma parcial realidade, ainda que em testes: a classificação da reputação dos cidadãos de forma digital.

O episódio foca o desespero de uma mulher em ter uma boa nota nas redes sociais (o que naquele universo do episódio significaria ser popular, ter melhor crédito e status social), e o que pode acontecer com quem entra de mergulho nessa busca desenfreada por reconhecimento. Se observarmos ao nosso redor, a sociedade meio que já caminha de alguma forma para essa realidade, motivo de alarme e questionamentos sobre como nos relacionamos nas redes sociais.

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Por fim, um episódio marcante da quarta temporada e que inclusive chegou a ser cogitado de virar um spin-off foi uma simulação de série SCI-FI dos anos 60. Com cabelos estilosos e colorido característico, USS Callister é um episódio de fascínio visual, onde temos um capitão de nave espacial desbravando o espaço com sua filha tripulação. O que ninguém sabe (ou sabe, o que é pior de tudo), é que aquele universo à la Star Trek 60’s não passa de uma fantasia megalomaníaca de um programador que extrapola os limites do socialmente aceitável para manter uma questionável conquista espacial.

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A mensagem de Black Mirror

Como brevemente mostrado, num apanhado por amostragem, fica evidente que cada temporada criou uma variedade de contos, das mais diversas roupagens e enredos, mas em todos a tecnologia é vista como potencialmente nociva se não bem utilizada. Esse é o propósito de Black Mirror: mostrar que presente altamente tecnológico e o futuro não tão distante podem ser ao mesmo tempo fascinantes e nocivos para a sanidade mental.

Tudo já está entre nós, ao nosso alcance e conectado. E isso é tão Black Mirror!


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