Bonito ou Funcional? – Parte I

O desenvolvimento sempre anda pelo fio dessa navalha. Diante das vantagens e desvantagens de priorizar um dos atributos em detrimento do outro, seria possível triunfar somente com um deles?

Entre fazer algo bonito ou algo funcional, nossa lógica – especialmente a lógica das lógicas mentes dos programadores – vai dizer que o importante é funcionar.

De certa forma, eu concordo. Mas só de certa forma. É importante pensar de modo mais abrangente, especialmente se a sobrevivência profissional estiver em jogo.

Imagem via Shutterstock

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Como alguns talvez saibam, sou músico. Certa vez, na época da faculdade, conversava eu com um experiente professor que também gostava muito de música e que, ao saber do meu pé na composição, recomendou-me colocar meu talento a serviço da criação de jingles*.

* Só para o caso de alguém não saber, jingle é aquela musiquinha que costuma acompanhar alguns comerciais. Em geral, quando o jingle é bom, costuma grudar na cabeça, nem que seja somente a sua “assinatura”, ou seja, aquele trechinho final. Quem é mais antigo deve se lembrar do “Vem pra Caixa você também, vem!” ou do “Lojas Americanas, Americaaaaaanas.”

Diante da bem intencionada recomendação do meu professor, quase me pus em lágrimas. Quando pensava em composição, pensava em música clássica, não em jingles para comerciais. Queria compor concertos para orquestra.

Ele, vendo em mim um futuro músico frustrado (e, pior, pobre), alertou, usando toda a sua sabedoria pragmática: “só que o mercado não quer comprar concertos para orquestras, Álvaro”.

Sábias palavras. Tivesse eu forçado a barra nessa trajetória musical deslocada no tempo, possivelmente viveria com dificuldades financeiras e talvez a penúria até mesmo inviabilizasse a dedicação ao meu falsificado barroco. Por conta disso, tomei dois caminhos distintos e, ao mesmo tempo, não excludentes.

O primeiro foi não deixar de perseguir meu sonho, ou seja, fazer minha música do jeito que eu queria. Só tirei da cabeça que isso poderia vir a ser um meio de vida, relegando-o ao posto de hobby. O resultado, você pode conferir aqui:

O segundo foi dar vazão às minhas aptidões musicais em um estilo de que eu também gostasse (para não viver contrariado) mas que fosse mais a cara dos tempos modernos (para não parecer tão maluco). E, então, temos os Raccoonies, cujo resultado você pode conferir aqui:

– Sabe, Álvaro, eu acho inacreditável a forma descarada como você sempre retorce o texto para inserir algum tipo de autopromoção, ainda que o assunto não tenha nada a ver com o tema do artigo.

Calma. Aceito a acusação da retorcida. Mas dizer que não tem nada a ver com o tema é uma injustiça. Acompanhe.

O que meu professor havia sinalizado é que a arte – ou qualquer outra coisa, na verdade – pode, sim, existir por si mesma, bem livre, bem amplitudiana e sem se preocupar com a opinião de ninguém, mas isso somente quando ela não se propõe a ser um produto, ou seja, a desempenhar uma função comercial. Aí, a situação muda, sendo necessário importar-se, e muito, com a opinião daqueles que consumirão (ou não) o tal produto: é preciso saber o que o mercado compra. Em outras palavras, em época de empresas anunciantes, e não de castelos medievais, o mercado compra jingles, e não concertos clássicos.

– Vai insistir na ideia de que isso tem a ver com TI, Álvaro?

Claro que vou, pois é claro que tem.

Meu modesto concerto, ainda que bonito – na opinião de alguns, ok? – não era funcional. O mundo (pagante) consome outro tipo de música hoje em dia e minha manifestação artística pitoresca tende a figurar mais como uma curiosidade, quando não uma aberração, do que como uma produção comercialmente viável.

Por outro lado, a música dos Raccoonies é bonita e funcional ao mesmo tempo e, por isso, encontra muito mais adesão, mais repercussão e, é claro, mais compartilhamentos no fêice!

(estivesse você mais comportado em seus comentários, eu poderia passar logo aos exemplos de TI, mas não – ainda vou falar de moda e de automóveis só para irritar)

Vejamos o vestuário, por exemplo, tanto o masculino quanto o feminino. Pense em pessoas bonitas. Se você for mulher, pense em um homem, e se você for homem, pense em uma mulh… Não, peraí. Pode ser que não dê certo desse jeito. O mundo está muito moderno. Vamos de novo.

Se você gosta de mulher, pense em uma mulher extremamente bem vestida. E se gosta de homem, pense em um homem. Eu aposto com você que ambos (mulher e homem bem alinhados) estão, de alguma forma, desconfortáveis – fisicamente desconfortáveis. Por exemplo, ela, com aquela cintura de princesa, na verdade está é passando um cortado embaixo de uma meia calça modeladora que vai até o pescoço para que as banhas saltem menos que o normal. Mais umas seis horas com aquilo e os membros inferiores começarão a gangrenar.

Do outro lado, o bem-apessoado galã também não fica atrás. Chique como é, embora vivendo em um país tropical abençoado por Deus, nosso gentleman veste um terno e, enquanto atravessa a rua em um escaldante sol de 40 graus, vivencia uma interessante sensação térmica de 55 dentro daquela roupa originalmente concebida, desenhada e produzida para quem vive em gélidos climas setentrionais.

Tudo isso em nome de quê? Da beleza. Aliás, não fosse essa senhora tão importante, a própria moda, uma atividade que movimenta zilhões, jamais existiria.

E você que está aí, nesse momento, achando que sua racionalidade de programador é o máximo que existe em lógica no universo, saiba que você também é vítima. Ou vai me dizer que continua preferindo programar em um monitor feio com cores turvas depois de ter sido apresentado àquelas beldades que a Apple oferece em suas iluminadíssimas lojas nos mais badalados shoppings?

– Nossa, Álvaro, era tudo isso que você tinha a falar sobre TI?

Bem, não está dando mesmo para conversar com você hoje. Estamos citando uma série de conceitos importantes sobre o comportamento humano para expandir seus pensamentos e ajudá-lo a estabelecer algumas analogias, enquanto você insiste nesse mundinho fechado… Façamos assim. Vou deixar você quieto. Não vou falar dos automóveis e, na verdade, não vou falar de mais nada.

Pense você no que quiser.

(secretamente, o artigo sempre intencionara ser bipartido, mas o autor, nessa mania besta de teatralizar seus textos, fingiu que se desentendeu com o leitor e deverá apresentar a conclusão do assunto no próximo… episódio?).


1 Comentários

Felipe Borges
1

Kkkkk.
Texto divertido e bem ilustrado.
Pena não ter mais comentários.
Talvez por não ser tão comercial???
Tô brincando!
Indo para a parte 2…

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