Percepções sobre a 6a Edição do PMBOK e o Agile Practice Guide

No início do mês de Setembro/2017 tivemos duas publicações muito aguardadas pelo público de gestão de projetos: a sexta edição do PMBOK e o Agile Practice Guide, ambos publicados pelo PMI.

Em sua essência o PMBOK nunca foi “anti-ágil”, pois diversos conceitos do Agile, como elaboração progressiva de escopo e planejamento em ondas sucessivas (rolling wave planning) são abordados desde as primeiras edições.

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Já na quinta edição, abordagens Agile começaram a se tornar explícitas ao sermos apresentados com as diferenças entre os ciclos de vida preditivos (aquele onde conseguimos “fechar” um escopo), iterativos (preditos faseados) e adaptativos (orientados a ciclos curtos e mudanças, ou seja, Agile).

Agora na sexta edição temos os ciclos híbridos onde são combinadas abordagens preditivas e adaptativas em um mesmo projeto.

“Mas Vitor, as abordagens não são excludentes?”.

Não, de forma alguma. Para ficar um pouco mais claro, assista este vídeo onde correlaciono a seleção da abordagem de acordo com o framework Cynefin.

Outra abordagem interessante foi o item “Considerações para ambientes ágeis/adaptativos” mencionado em cada área de conhecimento do guia, conforme a seguir:

  • Integração: Controle do planejamento do produto e entrega são delegados à equipe. O foco do gerente de projeto é formar um ambiente de tomada de decisão colaborativo e garantir que a equipe tenha capacidade para reagir à mudanças.
  • Escopo: Gasto de menos tempo tentando definir o escopo completo no estágio inicial e mais tempo estabelecendo o processo para descoberta e refinamento constantes. Considera que os requisitos compõem o Product Backlog e reconhece as user stories como uma das técnicas para coleta de requisitos.
  • Cronograma: Considera o conceito de timebox (Sprints) ou lead time (Kanban) para a geração de previsibilidade. Considera o planejamento de release como cronograma, onde fica a clara a decomposição da visão (objetivo) do produto em: roadmap, plano de release, plano de iterações/Sprints. Considera o Burndown da iteração/Sprint como ferramenta para controle de progresso.
  • Custos: Assume que a estimativa detalhada de custos deve ser reservada para horizontes de planejamento de curto prazo (just in time). Em caso de orçamentos restritos ou definidos previamente, o escopo e o cronograma são ajustados para que se mantenham dentro de limites de custo. Embora não esteja mencionado explicitamente nesta sexta edição do PMBOK, veja como utilizar o Gerenciamento de Valor Agregado (EVM/GVA) em projetos ágeis neste artigo.
  • Qualidade: Passos frequentes de revisão do produto e retrospectivas recorrentes focadas em verificar a eficácia dos processos de qualidade, buscando a causa-raiz de problemas e criação de ações para aprimorar a qualidade (PDCA). Foco em lotes pequenos de trabalho visando verificar inconsistências e problemas de qualidade de maneira frequente.
  • Recursos Humanos: Foco em Inteligência Emocional e equipes auto-organizadas trabalhando de forma colaborativa, aprimorando a comunicação, aumentando o compartilhamento de conhecimentos e trabalhando de forma enxuta (Lean).
  • Comunicação: Foco em necessidade inerente de acesso dinâmico às informações, pontos de verificação frequentes (PDCA), agrupamento dos membros da equipe no mesmo local se possível e revisões periódicas em conjunto com as partes interessadas.
  • Riscos: Uso de revisões frequentes de produtos de trabalho incremental e equipes multifuncionais para garantir que os riscos sejam compreendidos e gerenciados, através dos processos de identificação, análise e monitoramento durante cada iteração/Sprint. Backlog/escopo repriorizado de acordo com riscos identificados.
  • Aquisições: Prega o contrato colaborativo com um modelo de aquisição de riscos compartilhados, onde cliente e fornecedor compartilham o risco e as recompensas associadas com um projeto. Pode ser utilizado com acordo mestre de serviços (MSA/Contrato “guarda-chuva”) para o acordo geral e o trabalho adaptativo incluído como um apêndice ou aditivo. Isso permite alterações no escopo adaptável sem impacto no contrato geral.
  • Stakeholders: Envolvimento e engajamento constante e direto com os stakeholders, sem passar por camadas de gerenciamento, visando a tomada de decisões oportunas e produtivas. Interações constantes entre equipe e desenvolvedores gera um processo de co-criação onde riscos são mitigados mais rapidamente e a uma relação de confiança é construída. Foca na transparência “agressiva” ao convidar frequentemente os stakeholders para reuniões de revisão de iteração/Sprint e a publicação de artefatos visuais em espaços públicos.

“Mas Vitor, onde estão os princípios e valores do Manifesto Ágil? Até aqui você só falou sobre práticas ágeis”.

Sim, concordo! Mas só o fato de já termos estas práticas ágeis explícitas na sexta edição do PMBOK já ajuda a colocar fim em uma das discussões mais inúteis e improdutivas dos últimos tempos: “Ágil versus PMBOK” ou “Ágil versus ‘tradicional’ (nunca vou entender ao certo esse termo tradicional. Tradicional para mim é o Café Pilão)”. E olha que eu já falava sobre isso desde 2013 (veja este artigo) e revistei o assunto de forma mais enfática em 2015 (veja este outro artigo). Para focar especificamente em Agile, o PMI lançou o Agile Practice Guide escrito em conjunto com a Agile Alliance, uma das entidades referência em Agile no mundo. 

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Dividido em cinco grandes tópicos, a abordagem do guia segue a seguinte estrutura:

1. Introdução ao Agile: Aborda sobre o Manifesto Ágil (leia meus ensaios sobre o Manifesto, nos artigos parte 1, parte 2, parte 3 e parte 4) e como seus princípios e valores são importantes para poder se trabalhar em uma abordagem adaptativa. Fala sobre a questão de complexidade, ou seja, a abordagem ágil não é uma “fórmula mágica” ou uma “moda do momento” e sim uma abordagem para resolver problemas complexos.

“Mas Vitor, já entreguei muito projeto na minha vida sem esse tal de Agile”. 

Sim, eu também, mas hoje em dia vivemos uma dinâmica muito mais complexa do que há 15,20 ou 30 anos atrás. E esta complexidade não é exclusiva somente aos projetos, as dinâmicas de negócio, mercado, comunicação, tecnologia e relacionamentos humanos se tornaram muito mais complexas ao longo dos anos. Outro ponto positivo do guia é a demonstração que Agile é muito mais que Scrum e está contido dentro de uma abordagem Lean e de sistema puxado de produção (Kanban). Observe a imagem abaixo:

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Extraído do Agile Practice Guide – PMI e Agile Alliance

2. Seleção de Ciclo de Vida: Volta a revistar os ciclos de vida preditivos, iterativos, adaptativos e híbridos aprofundando um pouco mais sobre os ciclos adaptativos e híbridos. Para os ciclos de vida adaptativos são consideradas duas abordagens:

  • Baseada em iterações/Sprints: Muito similar ao que prega o Scrum e seu conceito de timeboxes cadenciados.
  • Baseada em fluxo: Muito similar ao que prega o Kanban através do conceito de lead time, throughout e limite de WIP.
  • Sobre os ciclos híbridos são consideradas quatro abordagens:
    • Ágeis e preditivas: Consideradas em casos de empresas que estão em processos de transição para Agile, que ainda não incorporaram os princípios e valores do Manifesto Ágil e começam a incorporar algumas práticas ágeis como iterações curtas, reuniões diárias e retrospectivas.
    • Predominante preditivas com elementos ágeis: Para projetos onde a maior parte da entrega é conhecida e a complexidade está limitada a um pequeno grupo de entregas. Por exemplo: construção civil, pesquisa de máquinas agrícolas, instalações de ponto de rede.
    • Predominantemente ágeis com elementos preditivos: Casos onde a maior parte da entrega possui complexidade e alguns elementos conhecidos. Por exemplo: alguns softwares onde a arquitetura necessidade de uma definição prévia, implantação inicial do software “de prateleira” (conhecido) e desenvolvimento de customizações (complexo), etapas de contratação de fornecedor externo totalmente fora da estrutura Agile.
    • Integralmente ágeis: Combinar Scrum, Kanban, XP, FDD de acordo com o problema.
  • Desta forma o guia assume a ciclo híbrido como estrategia de transição ou de adaptação de acordo com o propósito/problema.

3. Criando um ambiente ágil: Foca muito na questão do mindset ágil e como uma liderança servidora pode ajudar na construção deste mindset trabalhando em propósito, pessoas e processos. Aborda o papel do gerente de projetos muito mais como um facilitador, líder servidor e formador de equipes de alto desempenho. Na perspectiva das equipes, defende o conceito de equipes multifuncionais, buscando se abstrair dos possíveis silos organizacionais existentes (Exemplo: área de desenvolvimento e área de infraestrutura)

4. Entregando em um ambiente ágil: Basicamente fala sobre práticas como revisão, retrospectivas, reuniões diárias, preparação e refinamento de backlog. Mas também tem um foco bem importante em métricas através de gráficos Burndown, Kanban, Gerenciamento de Valor Agregado e CFD.

5. Considerações organizacionais para agilidade em projetos: Um dos tópicos mais interessantes do guia, em minha opinião. Onde a adoção de Agile é tratada através de uma Gestão de Mudanças (Change Management) levando em consideração: 

  • Motivadores: a mudança está associada ao desejo de redução de time-to-market ou ao desejo de adotar abordagens ágeis visando mais colaboração?
  • Apoio organizacional e patrocínio forte para a mudança organizacional
  • Maturidade e habilidades
  • Adoção progressiva de práticas ágeis
  • Avaliação da cultura atual e mapeando riscos (Para saber mais, leia meu artigo a respeito deste tópico aqui)
  • Revisão da estrutura de contratos (este é um grande desafio nos projetos cliente-fornecedor, em especial em Órgãos Públicos): O guia apresenta nove formas de contratos para se trabalhar com Agile na relação cliente-fornecedor
  • O produto exige escalabilidade do modelo (Nexus, LeSS, SAFe, DAD)?
  • Como adequar o PMO dentro do novo cenário ágil?
  • Como é composta a estrutura organizacional? (Localização geográfica, estruturas funcionais, porte de projetos, alocação de pessoas, contratos)
  • Uma sugestão recomendada, e que eu gosto e utilizo bastante, é acompanhar a gestão de mudança utilizando Kanban

Em resumo, um grande progresso focado em entrega de resultados sem se preocupar com defesas inúteis, improdutivas e oportunistas de “bandeiras”, instituições e ferramentas!

Bora mudar o mundo e entregar mais resultado com o que temos de melhor à nossa disposição!

Vitor Massari

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Profissional com mais de 15 anos de experiência em projetos de software. Sócio-proprietário da Hiflex Consultoria, profissional PMP e agilista, acredita no equilíbrio entre as várias metodologias e frameworks voltados para gerenciamento de projetos.
Lema: "Agilista convicto sempre, agilista obcecado jamais"


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